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O desafio da terceira idade
O desafio da terceira idade

 

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Ela não para quieta 1 minuto. Dona de uma grande energia, Julia Pereira da

Silva, de 90 anos e 5 meses – como faz questão de lembrar – passa o dia cantando, fazendo exercícios, cuidando dos afazeres da casa e andando pelo bairro onde mora na zona leste de São Paulo. O mais interessante é que ela não toma um só remédio de uso contínuo, coisa que também adora contar. “Quando vou ao médico já digo logo que não vou tomar remédio nenhum. Você toma para uma coisa e piora outra. Meu remédio é a laranja. Chupo três de manhã e outras duas depois do almoço”, conta. Mesmo com tanta alegria e disposição, a família é consciente de que ela precisa de alguns cuidados especiais, principalmente, para tentar driblar a solidão e a sensação de incapacidade, sentimentos que costumam acompanhar o idoso. Por mais ativa que dona Julia seja, os filhos têm medo que ela caia ou que esqueça as portas da casa abertas ou o fogão ligado. Mãe de seis filhos, ela mora sozinha, mas em uma casa que fica em cima da casa da filha mais nova, Zeneide Alves, de 48 anos, que é professora universitária e tem duas meninas. Apesar de todos os filhos ajudarem financeiramente e de estarem presentes na vida da mãe, a responsabilidade maior acaba sendo de Zeneide. “Eu não quero deixá-la sozinha. Por isso, agora optei por ter horários mais flexíveis. Não dou mais aula e consigo estar todos as noites em casa. Para ela, essa companhia é fundamental. Ela vem pra cá todos os dias, a gente conversa, assistimos tevê, daí ela vai para casa dela. Depois subo para ver se está tudo bem, se ela fechou tudo ou se está precisando de alguma coisa”, conta a filha. Dona Julia é um exemplo de vitalidade e sua família, principalmente a filha Zeneide, um exemplo de carinho e dedicação. Mas infelizmente em muitos casos os parentes não estão preparados para arcar com tamanha responsabilidade. A nova estrutura familiar e o irreversível envelhecimento da população – atualmente existem no Brasil 21 milhões de pessoas com 60 anos ou mais (11,3% da população) – influenciam negativamente no cuidado com os idosos. “Hoje as pessoas têm menos filhos e as mulheres passaram de ‘cuidadoras oficiais da família’ a indivíduos ativos no mercado de trabalho. Isso faz com que tenhamos muitos idosos precisando de cuidados e pouca gente para cuidar deles”, analisa Silvia Pereira, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). Segundo o livro “Cuidados de longa duração para a população idosa: Um novo risco social a ser assumido?”, organizado pela pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Ana Amélia Camarano, estima-se que cerca de 4,5 milhões de pessoas na terceira idade terão dificuldades para exercer as atividades da vida diária nos próximos 10 anos no Brasil. Segundo dados de 2005 da Subsecretaria de Direitos Humanos, mais de 95% dos idosos brasileiros residem com as famílias ou em suas próprias casas. Mas diante da falta de estrutura dentro de casa para lidar com os cuidados que um idoso demanda, algumas famílias recorrem a casas de repouso. Apesar do preconceito que ainda existe com relação aos chamados asilos, a internação pode ser a melhor opção para parentes e o próprio idoso em alguns casos. Armando Martins, de 64 anos, vai visitar ao menos três vezes por semana a mulher, Sueli Martins, da mesma idade, que sofre do mal de Alzheimer há 11 anos. Ela já está numa fase bastante avançada da doença e desde 2008 a família decidiu colocá-la em uma casa de repouso particular. “Quando surgiram os primeiros sinais da doença eu já era aposentado, então eu fazia tudo sozinho, mas comecei a precisar de ajuda. Primeiro contratei várias pessoas, mas sentia que ela não estava recebendo o tratamento que precisava. Daí decidimos colocá-la na clínica”, conta. “Queremos provar ao mundo que somos capazes de cuidar, mas chega uma hora que você não está dando o que ela necessita e toda a família acaba perdendo a vida”, completa Martins. A maioria das famílias brasileiras, porém, não tem condições para pagar uma casa de repouso. “Cuidar de um idoso dependente é difícil e os brasileiros não têm auxílio do Estado. Além de ajuda financeira para as famílias mais pobres, o Governo precisa criar vagas em asilos de tempo integral ou de meio período de qualidade, onde os filhos possam deixar seus pais sem se preocupar”, diz Silvia, da SBGG. Normalmente, os asilos mantidos pelo Estado atendem principalmente idosos moradores de rua. Isso ocorre também em algumas entidades administradas por voluntários, que dão preferência a idosos abandonados. Dessa forma, as famílias que não têm condições de cuidar ficam sem alternativas. “Uma vez houve uma denúncia de maus-tratos a um casal de idosos no Rio de Janeiro. Quando a assistente social chegou, ela viu a mulher amarrada gritando. O filho, que tinha uns 60 anos, disse que o pai estava bastante debilitado e a mãe quase não conseguia andar, mas ela tentava e acabava caindo e se machucando. Então ele disse que amarrava a mãe para que ela não caísse. O filho afirmou que não podia parar de trabalhar e que já havia tentando conseguir uma vaga para eles em um asilo da cidade, mas que não tinha conseguido”, conta Silvia. Obviamente, mesmo diante da falta de opções, esta nunca deve ser uma alternativa. Segundo o Estatuto do Idoso, o indivíduo jamais deve ficar trancado em casa ou em qualquer cômodo da casa, seja qual for a situação, pois essa atitude pode configurar crime de cárcere privado (leia mais sobre crimes contra idoso no texto acima). Uma opção, segundo o advogado especialista em direito da família Marcelo Domingues de Andrade, é procurar um promotor público para que ele entre com uma ação judicial exigindo que o asilo mais próximo aceite o idoso. “Antes de entrar com a ação, um assistente social faz uma visita e se certifica que a família não tem condições financeiras de manter o idoso”, explica. Dependendo da urgência, a família pode conseguir a vaga em até 48 horas.